top of page

NOSSOS ARQUIVOS

 

Dione Cabral

 

Quando percebemos que precisamos nos aproximar do mundo de um deficiente?

Na época em que era criança, havia um tal distanciamento desse mundo, que quando nos deparávamos com uma pessoa com algum tipo de deficiência, o sentimento suscitado era o de compaixão. Não é um sentimento que aproxima, possível de se criar empatia. É algo que no máximo, demonstra incompreensão.   

Tive uma irmã que desde criança possuía problemas neurológicos e que, ao passar do tempo, converteu-se em deficiência intelectual. Tentar entender como as coisas se processavam em sua mente era um desafio que me angustiou por muito tempo. Questões ligadas à mente continuam sendo um grande enigma para mim. Mas ela ir se transformando numa pessoa cada vez mais apática ano após ano, com certeza foi muito mais cruel para ela: parar de estudar, parar de andar, perder a autonomia de sua própria vida.

Outras situações vieram a chamar minha atenção, quanto à necessidade de uma maior aproximação ao mundo do deficiente, como quando tinha uma vizinha surda. Ela se comunicava muito bem, mas eu percebia que apenas conseguia entender um pouquinho do que ela me falava. Nessa ocasião percebi que a deficiência era minha, pois eu é quem não possuía habilidade para me comunicar com ela.

Outra vez, fazendo parte de uma equipe que pesquisava meninas em idade de menarca, acerca da informação que possuíam sobre reprodução, saúde da mulher e sexualidade, tive a oportunidade de entrevistar duas adolescentes surdas que, ao que pude perceber, não tinham na família pessoas que conseguiam desenvolver a linguagem de libras ou alguma outra forma de comunicação a ponto delas não fazerem a menor ideia do que significava menstruação, a não ser alguma coisa incômoda. Fui aos poucos percebendo que o grande problema da deficiência não era a deficiência em si, mas a omissão dos ditos normais.

Minha formação profissional em serviço social, em seu projeto ético político orienta-nos ao engajamento para o princípio da igualdade de todos perante a lei, de acordo com a nossa carta magna e de acordo com a declaração universal dos direitos humanos. 

Só há igualdade havendo condições de acesso a direitos, a oportunidades, a garantia de viver em sociedade como um igual.

Recentemente, o Brasil sediou as paraolimpíadas.

Toda vitória de um brasileiro em competições sempre tem um comemorar diferente, uma alegria e emoção que empolgam, porque sempre é uma vitória a mais, um tipo de vitória potencializada. Sempre vem com a vitória à discriminação na sociedade, porque sim, os brasileiros são discriminados no mundo. A vitória da superação pessoal, de mesmo vivendo num país onde não se constrói políticas permanentes de atenção a esportes, cultura, educação, saúde, habitação, segurança social e tudo a que se refere a qualidade de vida, sim, conseguimos competir e sermos exitosos.

Mas quando essa vitória é de um deficiente, ela é uma vitória que tem uma dimensão tão mágica, porque ela tem um sentido de vitória frente à todos os que os excluem do direito à própria existência na sociedade, muitas vezes até de quem está ao seu redor.

Sim, eu posso ter representatividade na sociedade e orgulhar minha família, meu bairro, uma nação.

Obrigada a todos vocês por essa lição! Temos muito a aprender!

Olhe o mundo com a coragem do cego, entenda as palavras com a atenção do surdo, fale com a mão e com os olhos, como fazem os mudos.

Cazuza

A pessoa com deficiência na minha história de vida

bottom of page